A 5ª Conferência Nacional de Saúde Mental Domingos Sávio aconteceu na última semana, entre os dias 11 e 14 de dezembro, em Brasília, e a Femerj esteve presente junto da delegação do Rio de Janeiro. Com o tema “A política de Saúde Mental como Direito: pela defesa do cuidado em liberdade, rumo a avanços e garantia dos serviços de atenção psicossocial no SUS”, o objetivo do evento foi debater propostas para a formulação da Política Nacional de Saúde Mental e para fortelecer os programas relacionados à área em todo o território nacional. Nesta edição, pessoas usuárias da Rede de Atenção Psicossocial (Raps) estiveram no foco central das discussões e deliberações.
O Rio de Janeiro apresentou 12 propostas significativas, que incluíram desde ações para saúde mental indígena, de desinstitucionalização, de implantação de unidades de atenção psicossocial, de residências terapêuticas e leitos em hospitais de pequenas cidades. A delegação do nosso estado reforçou ainda que a luta contra a privatização da saúde, o cuidado com a liberdade para jovens e a promoção de políticas de saúde mental precisam ser prioridades.
Por ocupar uma cadeira de “gestor prestador de serviços do SUS” no Conselho Estadual de Saúde (CES), a Femerj teve o direito de discutir, deliberar e votar as propostas e diretrizes apresentadas em Brasília. Caroline Caçador, Gerente Executiva da Federação, participou da Conferência e foi uma das vozes do nosso segmento. Ela conta que o evento foi importante para debater e votar em propostas campo da saúde mental advindas das etapas municipais e estaduais.
“Os delegados puderam tratar do financiamento dos programas e ações da política de saúde mental, o que hoje é um dos desafios para as entidades parcerias o SUS, sobretudo diante da difícil realidade orçamentária que vivenciamos no estado do Rio de Janeiro. Foram aprovadas propostas no sentido de intersetorializar o sistema, potencializando o financiamento, e da recomposição orçamentária das Rede de Atenção Psicossocial (Raps) com um olhar diferenciado para a diversidade de cada região do país”, relata Caroline.
A Conferência reuniu mais de duas mil pessoas de todo o país. É importante ressaltar que o encontro, maior relacionado ao tema de saúde mental, estava há 13 anos sem acontecer e só foi possível devido à intensa luta dos movimentos antimanicomiais, conselhos de saúde municipais e estaduais, atores políticos da Reforma Psiquiátrica, movimentos sociais, entidades sindicais e do Conselho Nacional de Saúde. “Nós conquistamos esta Conferência e começamos a nos organizar (para ela) ainda na resistência”, declarou Fernando Pigatto, presidente do CNS, durante a cerimônia de abertura, que contou também com a presença da ministra da Saúde, Nísia Trindade.
Logo na abertura, os delegados e delegadas presentes, que estavam representando os 26 estados brasileiros e o Distrito Federal, entoaram com toda a força a frase: “Nenhum passo atrás, manicômios nunca mais!”, que consagra a Reforma Psiquiátrica brasileira, consolidada pela Lei 10.216 de 2001. Infelizmente, apesar dos avanços, como a mudança na visão do paciente em Saúde Mental e a Lei Paulo Delgado (10.216/2001), que prioriza tratamentos extrahospitalares na RAPS, os desafios ainda são enormes: financeiros, administrativos e ideológicos.
Helisleide Bonfim, representante de usuários da Raps destacou a perspectiva das pessoas usuárias dos serviços de saúde mental do SUS e enfatizou que é essencial trazer a perspectiva da pessoa usuária no contexto da reforma psiquiátrica.“Nós, usuários que aqui estamos, somos frutos da Lei 10.216, que garante o cuidado em liberdade regionalizado. Não vamos nos esquecer que a sociedade é estigmatizante e preconceituosa e que, quem está doente é o sistema social”, releva.
História de luta
A história de luta e construção das políticas públicas em saúde mental no Brasil não pode ser contada sem o resgate da enorme relevância das conferências de saúde mental neste processo. Ao longo de 36 anos quatro edições nacionais já foram realizadas. A primeira, em 1987, foi um desdobramento à 8ª Conferência Nacional de Saúde e representa um marco histórico na psiquiatria brasileira por ressaltar que a política nacional de saúde mental deveria estar integrada à política nacional de desenvolvimento social do Governo Federal.
Já em 1993, a II CNSM pautou o entendimento da relação saúde/doença como processo fundamental no direito ao tratamento e à organização de uma rede de atenção integral à saúde. Chama atenção o crescimento do processo de conferência neste intervalo que separa as duas primeiras edições: em 1987, 78 pessoas delegadas estiveram presentes. Em 1993 o número saltou para 500 pessoas delegadas.
A III Conferência ocorreu em 2001, após menos de um ano da aprovação da nova Lei Federal de Saúde Mental (Lei n.o 10.216, de 06/04/ 2001) e representou o fortalecimento do consenso em torno da proposta da Reforma Psiquiátrica, com toda a sua pluralidade e diversidade interna, elaborando propostas e estratégias para efetivar e consolidar um modelo de atenção em saúde mental totalmente substitutivo ao manicomial.
Em 2010 e realizada pela primeira vez de forma intersetorial, a IV CNSM agregou uma enorme participação de usuários, trabalhadores e gestores do campo da saúde e de outros setores. Ao todo, 46 mil pessoas participaram das etapas preparatórias e nacional. Os debates da IV Conferência Nacional de Saúde Mental deram-se a partir de um cenário diferente do encontrado nove anos antes. Por um lado, os participantes reconheceram os avanços concretos na expansão e diversificação da rede de serviços de base comunitária. Por outro, identificaram as lacunas, a complexidade e o caráter multidimensional, interprofissional e intersetorial da implementação da Lei 10.216 após quase uma década de vigência.
Diretrizes de saúde mental para o PPA 2024-2027
Neste sentido, as resoluções nº 715 de 20 de julho de 2023 e nº 719 de 17 de agosto de 2023, que advém das discussões e aprovações da 17ª CNS, trazem relevantes diretrizes e propostas no campo da saúde mental. O primeiro documento foi encaminhado ao Ministério da Saúde, ainda no mês de agosto, apontando diretrizes para a Saúde Mental no Brasil que pudessem ser incorporadas no PPA e PNS de 2024 à 2027.
Ampliar a articulação da rede de atendimentos da Atenção Básica promovendo ações de promoção, prevenção e recuperação da saúde, incluindo a rede de atenção à saúde mental, álcool e drogas, com incentivo à capacitação profissional para o atendimento mais qualificado e humanizado, e garantir a execução do matriciamento em toda a Rede de Atenção Psicossocial (Raps), com ampliação da participação direta das pessoas usuárias estão apontadas na Resolução nº 715, que foi homologada pelo Ministério da Saúde.
Já a Resolução nº 719, que traz todas as diretrizes, propostas e moções aprovadas no âmbito da 17ª CNS, traduz a amplitude do cenário desafiador para usuários, gestores e trabalhadores no âmbito da Saúde Mental. Ao todo são 97 menções à saúde mental no documento que sinaliza como a sociedade civil organizada, por meio do controle social, tem trabalhado na defesa de um serviço de saúde integral com vistas ao preocupante contexto de saúde mental da população brasileira, especialmente após a pandemia de Covid-19.