FEMERJ e SINDFIBERJ comemoram aniversário do SUS, avanços e conquistas destes 30 anos, e ações do Sistema durante a pandemia do novo coronavírus. As entidades reforçaram a importância dos filantrópicos e Santas Casas para o funcionamento da rede.
Natália Oliveira
A Constituição de 1988 determinou que fosse criado no Brasil um Sistema que garantisse que a saúde fosse um direito de todos de forma integral, gratuita e universal. Foi assim, que nasceu o Sistema Único de Saúde, instituído em 19 de setembro de 1990. Em 2020, o SUS se tornou protagonista diante da chegada do novo coronavírus no Brasil e recebeu uma série de homenagens. Mas a importância do SUS vai muito além. Nesses 30 anos, o Sistema Único de Saúde (SUS) se tornou um dos maiores e mais complexos do mundo, abrangendo desde o simples atendimento para avaliação da pressão arterial, por meio da Atenção Primária, até o transplante de órgãos.
“A Lei 8080 de 1990 consagrou em seu Art. 2º o direito fundamental à vida ao dispor que a saúde é um direito fundamental do ser humano, devendo o Estado prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício. Desse modo, a Lei Orgânica da Saúde estabeleceu a criação de regras e condições para que em todo o Brasil os serviços de saúde pudessem ser prestados a todos independente de condição social, cor ou credo. Hoje temos muito a comemorar, principalmente em relação ao alcance desse Sistema, que está presente nas comunidades mais longínquas da região amazônica, por exemplo, fator determinante para combate a endemias e epidemias.” – explica Edmilson Damasceno, presidente do Sindfiberj.
Apesar de todos os desafios e complicações, o SUS proporcionou o acesso universal à saúde, sem discriminação, garantindo não só cuidados assistenciais, mas a possibilidade de uma melhor qualidade de vida para população com políticas de prevenção e a promoção da saúde. Especialistas definem o SUS como uma das maiores conquistas civilizatórias da sociedade do último século, assim reconhecida pela Organização Mundial de Saúde (OMS). Atualmente, o SUS é a solução para 7 em cada 10 brasileiros que precisam de cuidados médicos e funciona de forma integrada com ações da União, dos estados e dos municípios.
Antes da criação do SUS, a saúde pública era isolada da rede. Quem podia pagava para utilizar a rede privada e quem não podia recorria aos pronto-socorros. Cristiani Machado, pesquisadora e vice-presidente de Ensino, Informação e Comunicação da Fiocruz explicou que em sistemas baseados em seguro social, como era o brasileiro antes do SUS e como é a maior parte dos sistemas na América Latina, o acesso à saúde é condicionado à inserção no mercado de trabalho, ao status social e ao nível de renda. “Esses são os sistemas geradores das maiores desigualdades. E no momento de uma epidemia como essa, vão ter uma capacidade de resposta mais limitada”, afirmou a pesquisadora em reportagem publicada no site da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio.
A importância do SUS ficou mais evidente com a chegada no novo coronavírus no Brasil e toda estrutura montada para atender aos pacientes infectados. Segundo Edmilson Damasceno, sem o SUS provavelmente milhões não teriam tido a menor chance: “Seria uma questão de Vida ou morte”, ele define. Mas, como dissemos inicialmente, a força do Sistema vai além e se mostra em números. Por exemplo: o Brasil possui o maior programa público de transplante de órgãos, tecidos e células do mundo, onde cerca de 96% dos procedimentos são realizados no SUS. O Sistema também é essencial na produção e distribuição de medicamentos para cerca de 900 mil brasileiros com Aids e tem o maior programa de imunização do planeta, com cerca de 300 milhões de doses incluídas no Calendário Nacional de Vacinação, protegendo brasileiros de mais de 20 doenças.
“Os desafios são enormes. Mais do que prestar atendimento universal, deve-se debater o modelo de financiamento do sistema único de saúde que se mostra insustentável na medida em que avançam as tecnologias, os tratamentos e os medicamentos. Há um risco iminente de esgotamento no médio prazo desse modelo. Para avançar, o Congresso, a União e a sociedade civil devem construir leis que garantam a continuidade do sistema e que criem os meios de financiar as atividades de saúde indispensáveis a todo povo brasileiro. Demos vivas ao SUS e que ele se perpetue!”, concluiu o presidente do Sindfiberj.
Papel dos Filantrópicos e Santa Casas na rede SUS
O setor filantrópico é responsável por atender a mais de 40% das demandas do Sistema Único de Saúde e por 70% da assistência de alta complexidade no Brasil, constituindo-se hoje como o braço mais relevante do Sistema. De acordo com a Confederação das Santas Casas e Hospitais Filantrópicos (CMB), em quase 1.000 municípios essas instituições são os únicos equipamentos de saúde disponíveis para atendimento da população, principalmente das camadas mais vulneráveis.
Edmilson Damasceno defende que sem as Santas Casa e as Instituições filantrópicas, o Estado não conseguiria atingir tantas pessoas Brasil afora: “As Federações Estaduais que congregam essas instituições exercem papel de igual relevância ao dialogar com o SUS diretamente buscando manter equilíbrio e sustentabilidade”,
O presidente da Femerj, Marcelo Parello, parabenizou o Brasil por conseguir manter um Sistema de Saúde universal para a população e também todas as instituições filantrópicas de saúde que desde 1545 prestam assistência a saúde no país de forma gratuita e com qualidade. “Antes de termos a assistência pública, mantida pelo estado, já possuíamos as filantrópicas. Nessa pandemia, que ainda vivemos, essas instituições estiveram ao lado da população garantindo o acesso aos serviços de saúde, sem nenhum caso suspeito de mau uso do dinheiro público”, lembrou Parello.
Em artigo publicado no jornal “O Estado de São Paulo”, o presidente da CMB, Mirócles Véras, afirma que as Santas Casas e os Hospitais Filantrópicos e sem fins lucrativos são parte fundamental na busca por soluções para tornar o SUS ainda mais eficiente. “Parceiras de primeira hora, essas instituições tornaram possível a criação do SUS com a disposição da sua infraestrutura de atendimento. Sem seus hospitais e profissionais seria inviável até pensar numa rede pública para toda a população”, disse Mirócles.
Dos 189 mil leitos da rede filantrópica, 130 mil (69%) são destinados ao Sistema Único de Saúde. O presidente da CMB destacou, no entanto, que esse casamento está ameaçado, já que desde 2015, 182 instituições sem fins lucrativos paralisaram as atividades e fecharam 9.500 leitos principalmente pelo subfinanciamento dos serviços prestados ao SUS, que remunera há vários anos somente 60% do custo real do que é entregue. Serviços que, aliás, custam em média oito vezes menos que os realizados por hospitais públicos federais. “Resumindo, aproximadamente 10% de toda a rede sem fins lucrativos não suportou os sucessivos prejuízos da parceria com o SUS e faliu”, contou o representante da Confederação.
Além de atender a uma grande parcela da população brasileira, a rede filantrópica e sem fins lucrativos também gera mais de 1 milhão de empregos, proporcionando renda a praticamente 4 milhões de pessoas. A CMB reforça que rever os termos da parceria do SUS com essas instituições é urgente, começando pela remuneração, para garantir a sobrevivência não só dos filantrópicos e Santas Casas, mas também do próprio Sistema Único de Saúde, que hoje comemora 30 anos de regulamentação.
“É hora de reorganizar o sistema. Reestruturar a rede com regionalização, hierarquização e escalabilidade na prestação de serviços. Integrar com a saúde suplementar, fortalecendo operadoras filantrópicas já existentes e estimulando a criação de novas, que vão garantir atendimento numa rede nacional de hospitais”, concluiu Mirócles.